terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Caminhar como caminho

Em dois meses fiz dois entorses no pé esquerdo.
Talvez, mas um grande talvez, que é como quem diz tens mesmo de ver isto.
Observar como caminho traz à tona a forma. A forma como se caminha, como se dá cada passo, como se apoia os pés no chão.
Eu ando a coxear. Tenho uma perna maior que a outra e na compensação inconsciente do corpo físico isto distorce o meu corpo.
A compensação acaba por distorcer e trazer outras complicações como o desiquilíbrio no andar e consequentemente quedas que provocam os entorses.
Notei que caminho como se fosse um barco o meu corpo e os pés os meus remos.
E parece que ainda não sei remar. Ora se um remo puxa para um lado e o outro roda, isto assim o barco não vai a lado nenhum. Quando muito desiquilibra-se o barco e cai o marinheiro à água.
Coxeando acaba por colocar o lado que não está magoado em maior esforço, e uma vez que essa é a perna mais curta isto está a causar-me algum transtorno.
Tenho que usar muleta mas acho que não preciso. Considero paralelismos com os apoios externos e a sua aceitação ou recusa. De modo que reparei que a muleta e o apoio é de mim para mim e não o artifício da muleta, mas que serve uma função que devo aceitar.
Facilmente me abstraio do corpo para ouros planos que não o físico. Devo lembrar-me que esta ligação é permanente e tornar-me consciente que o corpo está lá. E convém que esteja bem para que consiga fazer a ponte entre os outros estados e o físico. Sempre gostei de bastões de caminhar mas nunca os usei, gostava de fazer bastões d emadeira mas nunca os fiz. Achava que não necessitava quando via imensas pessoas a caminhar montanhas com eles, achava e talvez não precisasse na altura. Provavelmente a idade traz destas coisas. Quer as mazelas óbvias, quer a aceitação delas e aceitar o apoio de si para si. Caminho apoiando-me na parte interior principalmente de um pé. Isto deforma-me os sapatos todos há anos e está na altura de resolver estas questões, nem que seja aos poucos: passo a passo. Passo-a-passo remete-me para livros de instruções. Eu nunca gostei de livros de instruções.
Talvez devesse prestar mais atenção ao meu manual de instruções para evitar quedas desnecessárias.

Caminhar consciente é trazer à tona o manual de instruções do caminho. Observando com atenção os passos que damos seremos em termos abstratos, metafóricos e também concretos, capazes de decifrar como estamos, como viemos até aqui e a tempo de corrigir a navegação de nós mesmos.
É como sentir a bússola e focar na direção a tomar, ou chamado sentido, mesmo que coxeando a princípio mas sabendo que vai valer o esforço . Parece-me que serve o caminhar consciente como um diagnóstico da nossa bússola interna e de que alterações precisamos fazer para alinharmo-nos no nosso caminho, no nosso sentido de vida.

Se me perguntam quando é que caminhar em grupo é oportuno?
As primeiras ideias que me surgiram foram: festa; dança; funerais e manifestações.
Ora nisto é um extremo do que faço no dia a dia, do caminhar sozinho ao caminhar com multidões; do caminhar sem sentido ao caminhar com êxtase de alegria ou de tristeza.
Contudo denoto que caminhar em grupo nestes casos que apontei servem sempre um propósito.
Da vida ou da morte, mas sempre com sentidos, ou seja que eu os sinta como celebrações de inícios, de mudanças ou de fechos.
Talvez precise de rituais, que são como manuais de instruções, os tais que não gosto.
Talvez eu até goste de seguir os manuais desde que esteja em grupo, porque sozinha prefiro inventar.
E talvez, mas apenas talvez com a força de uma quase certeza, o equilíbrio esteja em fazer ambas.

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